Por:
Andréa Cristina Trentini Kuerten Baracuhy, Advogada OAB/SC 23071 e consultora jurídica da empresa NacionalVOX.
Sabrina Nicolazzi, mestranda em Sociologia Política – UFSC

Hoje em dia a democracia é a forma de governo mais difundida e aceita na maioria das sociedades. Aliada a promoção de direitos universais proclamados desde, pelo menos, a Revolução Francesa no século XVIII, a democracia respira o respeito a esses direitos. Dessa forma, o regime democrático compreende o Direito como ciência e fenômeno cultural para justamente resguardar as garantias inerentes ao regime.

A democracia possui várias formas de se instrumentalizar, conhecendo mais recentemente a sua expressão representativa na qual o povo faz valer sua vontade soberana por meio de eleições periódicas de seus representantes.

Junto com a Declaração Americana de Independência (1776), que conquistou a independência das treze colônias dos Estados Unidos da América, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada na Revolução Francesa (1789), esses dois marcos abrem as bases para a concepção de democracia que vislumbramos atualmente. Todos esses eventos contribuíram para a enunciação de que a pessoa humana é dotada de direitos e deveres influenciando as principais constituições do mundo moderno.

No entanto a luta pelos direitos humanos já possuía uma história de longa data. Alguns dos direitos humanos foram conquistados na Inglaterra a partir do século XVI, como exemplo podemos citar o Acto Habeas Corpus (1679) e em 1689 o expressivo documento Bill of Rights que declarou a superioridade da lei em relação ao Rei. Esse documento teve um significado importante para a expansão dos direitos da burguesia nascente e posterior revolução industrial pois os poderes não mais estavam nas mãos dos monarcas mas também do povo. No século XX, temos a expressão da proteção e promoção dos direitos humanos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1947.

Todas essas cartas trazem consigo princípios de liberdade, igualdade, direitos de livre expressão, iniciativa, à propriedade, à dignidade entre outros preceitos que são inerentes à democracia moderna. Aliado a isso a tecnologia nos trouxe ferramentas que nos possibilitam uma expressão política para fazermos a vontade popular chegar às instituições políticas. O uso das chamadas mídias e redes sociais são um exemplo de tecnologia que podem ser usadas para mobilização e participação política em um contexto democrático.

Brasil e Tunísia: as dicotomias na utilização política das redes sociais

O Brasil é um país que exercita sua titularidade democrática de direito. Em sua Carta Constitucional de 1988 contempla as garantias e direitos fundamentais pautados na promoção e proteção dos direitos humanos, inspirada assim, como a maioria das constituições modernas, nos ideais da Revolução Francesa. Hoje é considerada a sexta maior economia mundial e compete no mercado internacional com países desenvolvidos em termos praticamente iguais. No entanto, mesmo sendo um Estado democrático de direito, o Brasil possui com inúmeras desigualdades econômicas e sociais, que convivem com uma série de liberdades conseguidas pelo exercício da democracia.

Sob uma outra perspectiva temos a Tunísia, um pequeno país localizado no Norte da África que se tornou independente em 1956 da França e que até pouco tempo era dirigido por um presidente que ficou 23 anos no poder. Esse país teve sua evolução histórica marcada por um desenvolvimento político que oscilou entre um governo limitador das liberdades e por liberalizações de cunho democrático. Na atualidade esse país viveu uma revolução que se iniciou com a indignação e posterior imolação de um feirante, vendedor de frutas após ser proibido pelos policiais de trabalhar nas ruas. Esse foi o marco inicial de uma série de movimentos conhecido como Primavera Árabe que tomou conta de diversos países entre o Oriente Médio e a África e que ocasionou a queda de governantes que estavam no poder a muitos anos e que restringiam as liberdades civis de sua nação a partir de 2010.

Nesse contexto aonde se encontram as semelhanças e diferenças entre Brasil e Tunísia? Inicialmente teremos que tratar do assunto da utilização das redes sociais para a mobilização política e sua relação com a democracia.

As redes sociais mais utilizadas recentemente são o facebook, o twitter e o youtube e elas possuem uma abrangência que não vê fronteiras em relação a comunicação. Elas são abertas, amplamente públicas em países democráticos e em países aonde o exercício da democracia não se faz, possuem restrições estatais, o caso mais conhecido é o da China. Ou seja, por ser um veículo de liberdade de expressão em sociedades onde o Estado limita a vida de seu cidadão essas redes são bastante limitadas.

Voltando a Primavera Árabe, o que se viu foi uma mobilização por meio das redes sociais para a deflagração de movimentos em prol da busca de direitos sociais e políticos. A utilização das redes sociais também possibilitou que outros países tivessem acesso ao que estava acontecendo lá, uma vez que seus governantes repatriaram jornalistas estrangeiros e só emitiam comunicados oficiais do que estava acontecendo encobrindo informações. Alguns países como a Líbia proibiram o acesso a internet e a manifestação daqueles povos chamou a atenção da comunidade internacional e a vã tentativa de estabilizar o efeito dominó dessa revolução, ao invés de frear, acelerou o movimento que se estendeu por vários países.

O fato relevante é a influência da sociedade hoje de informação e a ela atrelado o uso da tecnologia digital capaz de promover mudanças que valorizem o ser humano.

O Brasil conhece a internet, desconhece seu poder e alcance pois não investe o suficiente em educação ou programas sociais destinados a promoção intelectual que orientem devidamente sobre seu uso e recursos.

Agora com energia barata, política do governo brasileiro, para atrair investidores, e abranger quase todo território, o povo daqui se diverte conhecendo as redes sociais sem nem saber como usá-las. Faz-se uma analogia superficial e compara-se os cidadãos da democracia aos primeiros habitantes desta terra (material humano) os atuais ipads e iphones aos antigos espelhos (ou qualquer especiaria trazidas pelos exploradores do século XVI). .

De outra banda, os brasileiros entregam seu ouro ao Estado Democrático de Direito, através dos impostos em contrapartida recebem dele o acesso a internet (especiarias) apesar de não receberem nem mesmo o básico da assistência a proteção individual, acesso ao conhecimento.

Em resumo: o cenário brasileiro é democrático e capitalista. Tem-se no Brasil o e-gov e a e-democracia e todo o resto que leva todo ouro dos cidadãos trabalhadores e deixam apenas espelhos.

O Brasil capitalista prevê quanto ao aspecto legal, dentre os objetivos positivados na Constituição Federal, a garantia expressa do governo democrático, de desenvolvimento nacional (CF/88 art. 3º, II), e no cenário internacional, o art. 4º, do mesmo diploma, estabelece os princípios que o Brasil rege suas relações internacionais, entre os quais, II – prevalência dos direitos humanos; IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.

Assim, o direito digital movimenta-se para uma relação com aos direitos de solidariedade, difusos e coletivos (3ª dimensão), desenvolvimento econômico (art. 170 CF/88), gestão racional dos recursos naturais e direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado(art. 225 CF/88); tendo como escopo a validação da dignidade da pessoa humana ( CF/88, 1o, III) e os direitos fundamentais (art. 5º CF/88), tudo interligado a engenharia do conhecimento.

A engenharia do conhecimento contempla a sociedade da informação, a economia do conhecimento, o comércio eletrônico, a ontologia-ramo da filosofia, em síntese, a interdisciplinaridade de diversas ciências postas à disposição do investigador para construção de novos conceitos considerando a dinâmica econômica e política da sociedade, para promover a cidadania.

O fato é que sem educação, de nada servem as garantias individuais e os universais direitos humanos, pois o povo não tem conhecimento para compreender sua abrangência.

Ao contrário do que ficou comprovado com êxito em países onde a população recebe educação, apesar de ter suas liberdades privadas em razão de regimes ditatoriais.

Um caso polêmico de política interna é sobre os R$ 24 bilhões de reais arrecadados com impostos que serão represados na usina de Belo Monte /AM, para a construção da maior hidroelétrica do mundo, que utilizará apenas 1/3 de sua capacidade.

Houve uma tentativa no Facebook de difundir uma campanha, sem muita expressão, contrária a destinação deste montante e para divulgar a relação custo/ benefício do emprego do dinheiro público.

Conclui-se que o brasileiro não tem noção do poder da mídia digital, ora, o atual momento histórico, a dita era digital e a democracia de um estado social de direito, informatizado, que ostenta a bandeira da e-democracia, apostar em uma política com um investimento deste montante e simplesmente passar despercebido pela sociedade, é no mínimo estranho. Ou seja, falta educação básica e, sobretudo, educação para o maior conhecimento das instituições e mecanismos de participação política, mesmo em uma democracia representativa baseada quase exclusivamente no voto.

Há quem acredite em manipulação dos canais abertos de televisão; outros justificam tal estranheza atrelada a falta de organização de intelectuais, mas é estranho, estranho até para a histórica Primavera de
Praga, ou se preferir para o extinto comunismo social de 1968 reproduzido agora no Tunísia.

O Brasil está longe de alcançar o ideal de desenvolvimento nacional, longe de ter sua Primavera, mas um dado é comprovado: a influência das redes sociais no cotidiano da humanidade e a força da sociedade da informação. O efeito foi a maior conquista política pois derrubou regimes ditatoriais e governantes que ocupavam os cargos na Tunísia, Egito e Líbia respectivamente a 23, 30 e 42 anos, comprovando a força das redes sociais na atualidade, porém este poder existe, porque lá está associado a instrução, educação, ao conhecimento, domínio pelo ser humano das ciências interdisciplinares da engenharia do conhecimento.

Se assim não for, o facebook e as redes sociais serão apenas a versão digital de um diário de uma sociedade adolescente que trocou o papel e a caneta bic de 4 ou 10 cores pelos modernos talet’s, sem nenhuma expectativas de viver em um país que respeita seus cidadãos e suas garantias legais, como no Brasil.

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